A Parábola do Rico e Lázaro

Resumo: A parábola do rico e Lázaro. Além disso, esse mesmo evangelho inclui dezoito parábolas que são exclusivamente lucanas. Entre essas parábolas alheias a Mateus e Marcos está a do Rico e Lázaro, no capítulo 16, versos 19 a 31. Esse é o único ensino narrado por Jesus Cristo que inclui um nome próprio, a saber, Lázaro, uma denominação comum no primeiro século d.C.

A parábola do Rico e Lázaro

O Salmo 78:2 declara uma profecia messiânica, a qual mostra que Jesus de Nazaré ensinaria por meio de parábolas: “…abrirei a boca numa parábola…”
1 Jesus contou cerca de quarenta e seis parábolas.

2 Quando estudamos Mateus, Marcos e Lucas de forma paralela, inclusive ao comparar suas diversas parábolas, esses três evangelhos são definidos como sinópticos.

3 Lucas é o evangelho que contém a maior quantidade de parábolas, com um total de vinte e quatro.

Além disso, esse mesmo evangelho inclui dezoito parábolas que são exclusivamente lucanas. Entre essas parábolas alheias a Mateus e Marcos está a do Rico e Lázaro, no capítulo 16, versos 19 a 31. Esse é o único ensino narrado por Jesus Cristo que inclui um nome próprio, a saber, Lázaro, uma denominação comum no primeiro século d.C. O uso de parábolas como método de ensino para pregar o evangelho dava a Jesus vários benefícios diante de Seus diferentes públicos.

Lucas 16:19-31 contém algumas características literárias que identificam de maneira especial esse texto bíblico. Alguns desses aspectos são:
(1) introdução e conclusão curtas e específicas;
(2) três personagens que fazem parte do tema principal do ensino bíblico em questão;
(3) os detalhes do conteúdo complementam o objetivo central do ensino;
(4) uma verdade bíblica é declarada na conclusão.

O objetivo deste artigo é descrever resumidamente a fonte de informação na composição desse exemplo literário lucano, o conceito do seio de Abrão e o propósito educativo da narrativa citada.

A origem da parábola
É possível mencionar pelo menos duas influências que interagiram na origem extrabíblica do material usado para a elaboração da parábola do Homem Rico e de Lázaro. Visando esclarecer o significado do Homem Rico e de Lázaro, serão analisados conceitos como “seio de Abraão”, “abismo”, “testemunho”.

Alguns autores5 sugerem que o relato de Lucas teve origem em um papiro conhecido como Hunefer, que foi um mordomo e guarda real do gado do Faraó Seti I, da décima nona dinastia (cerca de 1310-1275 a.C.). Esse papiro descreve alguns acontecimentos que apresentam certa semelhança com o Homem Rico e Lázaro em sua viagem após morrer. Sob essa perspectiva, Jesus teria conhecimento anterior sobre o papiro Hunefer e compôs Lucas 16:19-31 usando esse relato extrabíblico para censurar a ideia da imortalidade incondicional da alma que já prevalecia entre alguns judeus do primeiro século d.C.

O uso de referências extrabíblicas no Novo Testamento é explicado como a inclusão de outro material originado fora do texto bíblico. Esse caso aparece, por exemplo, na história do Bom Samaritano, que foi um fato que aconteceu alguns dias antes no caminho de Jerusalém a Jericó. Além disso, o apóstolo Paulo incluiu em suas epístolas alguns provérbios moralistas oriundos de filósofos gregos e romanos.

Os seguintes exemplos testemunham esse costume paulino: Arato (At 17:28), Aristóteles (Gl 5:23;Rm 1:14), Epimênides (Tt 1:12), Lucius Annaeus Séneca (At 17:24-29), Menandro (1Co 15:33), Platão (Rm 7:22-23; 1Co 9:24). É importante observar, no entanto, que as colocações extrabíblicas anteriores são de natureza moral, aplicadas à conduta humana. É possível encontrar também uma origem extrabíblica na epístola de Judas (verso 14-16) oriundo do livro pseudoepigráfico de Enoque, chamado “Os Vigilantes” (1:9, seção 1-35). Da mesma maneira, Lucas usa uma fonte histórica extrabíblica, a saber, o ano do reinado de Tibério César, visando mostrar o ministério de João Batista e o batismo de Jesus (Lucas 3:1).

Outra possível influência referente à origem de Lucas 16:19-31 seria justificada com um grupo de judeus do exílio babilônico, os quais absorveram conceitos sobre a vida após a morte durante seu cativeiro na Babilônia (Jr 25:11). Eles, talvez, também teriam sido influenciados posteriormente pelo culto persa de Zoroastro.

Depois do cativeiro babilônico esses judeus levariam consigo essas novas ideias ao retornar à Judeia. Durante o período do segundo templo (537 a.C.-70 d.C.), os termos hebraicos e grego como Sheol e Hades, que definem o escuro onde os mortos moram, poderiam ter sofrido algumas variações em relação ao seu significado religioso original. Anova percepção judia no século I d.C. seria entender essas palavras — sheol e hades– para indicar um lugar de tormento ou de bênção depois da morte.

Dessa forma, ao criar a parábola, Jesus fez com uma narrativa humorística e com hipérbole para explicar que, é nesta vida que é possível conhecer a Deus e amar o próximo, pois não há consciência no “além”.

O Seio de Abraão e o Abismo
Durante o período do segundo templo, o conceito de “seio de Abraão” se torna literal em seu significado para o judaísmo do século II a.C. Segundo o quarto livro de Macabeus, Abrão e outros distintos patriarcas do judaísmo são descritos recebendo e dando as boas-vindas às almas depois da morte.

Esse livro apócrifo fala a respeito: “…Depois de nossa morte Abrão, Isaque e Jacó e nossos ancestrais nos louvarão” (4 Macabeus 13:17). O termo grego kólpos -seio- na Palestina do século I d.C., alusivo a honra, portanto, pode levar a felicidade, bênção e segurança.

Já Trimm ressalta que o livro pseudoepigráfico de 1 Enoque, no capítulo 22 (escrito ao redor de 300 A.C.), aponta quatro seções no Sheol, a morada dos mortos na vida do além:
(1) os bons de verdade,
(2) os bons,
(3) os maus que esperam o juízo na ressurreição e
(4) os maus que não serão ressuscitados.

No entanto, segundo as narrativas do Novo Testamento, Abraão não tem nenhum poder salvífico para redimir outros nessa vida ou depois dela. O mesmo Abrão que creu nas promessas de Deus para ser declarado justo (Gl 3:6). Ao aceitar Jesus Cristo como Salvador pessoal, o homem se torna um “judeu espiritual” (Mt 3:9; Gl 3:29; Rm 2:29). Por outro lado, o conceito “abismo”, do grego jásma, em 16:26, mostra uma brecha, uma separação.

O termo jásma está também vinculado a “bocejar”, uma alusão relacionada ao sono. É notável que a parábola não discute fatores reais, mas figuras de linguagem, pois os escritores do Novo Testamento entenderam assim (Jo 11:11; At 7:60; 1Co15:6, 18).

Para testemunhar

Em Lucas 16:28, Jesus parece censurar a indiferença de Israel na responsabilidade de missão com o seu próximo. O rico se tranca em sua casa, dando banquetes esplêndidos diariamente (16:19), enquanto o Lázaro está do lado de fora da porta, cheio de chagas (16:20). Na história de Israel, apenas algumas pessoas deixaram o conforto de sua nação para realizar uma missão entre os gentios: Elias (1Rs 17:8-24); Jonas (Jn 3:2); Eliseu (2Rs 6:24-7:20).

A construção de um muro ou parede ao redor do templo chamado o átrio dos gentis, mostrava a proibição aos judeus para não transpassar esse limite sob pena de morte. A distância entre o átrio dos gentios e o lugar onde os sacerdotes conversavam era de uns cem metros. A agitação de animais e pessoas dissipava qualquer possibilidade de ouvir algo do Deus de Israel. Evidentemente, Jesus é espirituoso em Lucas 16:19-31, pois Cristo descreve o homem rico (16:24) pedindo a Abrão que Lázaro venha e molhe seu dedo na água e coloque gotinhas em sua língua.

Dessa maneira, o conceito “abismo” em 16:26, sugere a impossibilidade de interação entre os vivos e os mortos. Existem várias partes dessa parábola que servem apenas como elementos decorativos e embelezam a mensagem, mas não necessariamente têm uma explicação teológica específica.

As parábolas foram feitas para aumentar o valor prático da verdade. Os autores da Bíblia estão em harmonia em relação aos ensinos bíblicos escritos por eles (1Co. 14:32). Além disso, a Bíblia é consistente com relação ao estado inconsciente do ser humano após a morte (2Sm 12:23; Ez 18:4; Jó 7:9-10; Sl 146:3-4; Ec 9:5-6, 10; Jo 11:10-11; 1Co 15:14; 1Ts 4:13-16; Ap 14:13).

Conclusão

A parábola do Homem Rico e de Lázaro ensina que é nesta vida que existe a oportunidade de conhecer a Deus e fazer o bem ao próximo: “…onde quer que a vida de Deus se encontre no coração dos homens, derramar-se-á em amor e bênçãos aos outros”.17 Nesta parábola lucana, é enfatizado também o estado mortal do ser humano ao expor,em Lucas 16:31, que “…tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”. A expressão “a Moisés e aos Profetas” mostra as Escrituras como o meio apontado por Deus para lhe conhecer e fazer o bem aos demais (Ec 12:1-6; Jr 9:24; Mq 6:8).

Inclusive Jesus, anunciou a brevidade da existência humana o dizer: “… vosso tempo sempre está pronto” (Jo 7:6).A palavra grega para tempo aqui é kairos e também significa oportunidade, ocasião, uma estação especial do ano. O termo original para próximoem João 7:6 é hetoimos e expressa a ideia de estar pronto, preparado. Li em certa ocasião à entrada de um cemitério, em uma inscrição demetal que, parafraseada, dizia assim: “Detenha-se, andarilho. Aqui a riqueza e a pobreza, a ignorância e o conhecimento se confundem. Hoje você entra como visitante; um dia será trazido para descansar aqui”.

A parábola do Homem Rico e de Lázaro. Nosso tempo é limitado e exige uma vida com propósito na busca do bem dos outros, já que no túmulo para onde vamos “… não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma” (Ec 9:10).

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