A Idolatria das Coisas

Resumo: A Idolatria das coisas. Idolatria é um termo muito empregado em referência a práticas de adoração a ídolos, sejam eles coisas religiosas ou não.

A IDOLATRIA DAS COISAS

By Pr. Márcio Greyck
Êxodo 20:3-5

INTRODUÇÃO

A palavra “idolatria” resulta de duas palavras gregas: eidolon, “imagem mental ou material, fantasma, estátua”, e latreia, “serviço, adoração”.

Idolatria é um termo muito empregado em referência a práticas de adoração a ídolos, sejam eles coisas religiosas ou não. Essas práticas contrariam os dois primeiros mandamentos do decálogo que ordenam “não ter outros deuses diante mim”, e “não farás para ti imagem de escultura, … nem as adorarás” (Êx 20:3-5). São contrárias à crença num Deus transcendente e único.

Devemos nos indagar, no entanto, se o mandamento de fazer e adorar imagens se restringe a uma prática religiosa de venerar e cultuar alguma imagem de santos, virgem Maria etc., ou se ele pode ser quebrado também por apego e afeição a coisas materiais, como bens, joias, eletrônicos, celulares, pessoas, etc.

Que bases bíblicas temos para afirmar que a idolatria vai além de cultuar imagens religiosas? Vamos estudar o que Deus requer nos dois primeiros mandamentos e também o que podemos aprender das experiências dos servos de Deus nos tempos bíblicos nesse assunto.


(1) A tábua da relação com Deus

Moisés recebeu de Deus duas tábuas com os dez mandamentos. Supõe-se que a primeira tinha 4 e a segunda 6 mandamentos, sendo que os 4 primeiros dizem respeito à nossa relação com Deus.

O quarto manda reservar o sábado para a comunhão e adoração a Deus como Criador e Senhor de nossa vida. O terceiro diz para não tomar o nome do Senhor em vão, não pronunciar o nome sagrado de Deus de forma trivial.

Os dois primeiros mandamentos dizem respeito a crer e ter o Senhor como único Deus. O primeiro de todos os mandamentos diz: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20:3).

Deus é único. Esse mandamento vem após a declaração: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (v. 2). Só ele pode libertar o escravo do pecado, da servidão ao reino de Satanás, porque é o único Deus vivo.

O segundo mandamento está associado ao primeiro, pois manda não fazer imagem para ser adorada em lugar de Deus. “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor, teu Deus” (Êx 20:4,5). Esse mandamento é duplo, pois manda não fazer a imagem e não adorar a imagem feita.

Observe que são mandamentos parecidos, mas distintos: um manda não ter outros deuses além do Senhor; outro manda não fazer imagens tipo um deus.

Ao usar as palavras “imagem” e “semelhança”, o segundo mandamento retoma a criação, onde o homem é feito como “imagem” e “semelhança” de Deus (Gn 1:26-27). Ao criar o homem à sua imagem e semelhança, o Criador colocou o homem para governar a criação em lugar de Deus, para ter “domínio” sobre todas as coisas criadas. Adão e Eva eram os mordomos de Deus, colocados em lugar de Deus perante a criação para a liderar e cuidar.

Nesse sentido, o que o mandamento ordena não é simplesmente não fazer uma escultura, mas não fazer uma escultura que se coloque como “imagem” e “semelhança” em lugar de Deus, para substituir Deus.

O que aprendemos aqui é que Deus é zeloso e exclusivo. Não podemos ter dois deuses nem servir a dois senhores. Não devemos colocar coisa alguma em lugar de Deus, só a ele devemos culto, adoração, serviço, amor e devoção. As riquezas, as pessoas que amamos, as coisas que usamos e curtimos não podem ser colocadas em lugar de Deus, nem entre nós e Deus.

(2) Os israelitas e os ídolos

Apesar do mandamento tão claro de Deus e de os profetas terem reiterado o assunto muitas vezes, os filhos de Israel viveram em idolatria boa parte de sua história. E este foi o motivo principal de sua decadência e queda.

O profeta Isaías condenou veementemente a idolatria. Em Isaías 44:16-20, ele afirma que os ídolos são pedaços de madeira, feitos pela mão do homem. O homem insensato corta uma árvore e queima uma parte para cozer o alimento e do restante faz um deus. O profeta indaga:

“Ajoelhar-me-ia diante de um pedaço de árvore?” (v. 19). É claro que esse pedaço de madeira é um tipo de tóten, algo que para ele incorpora poder ou riqueza. Porém, nem a riqueza pode garantir a vida, nem a segurança, daí a insensatez de quem pratica a idolatra.

Os cultos aos ídolos feitos pelo homem foram introduzidos em Israel pelos próprios reis, começando com Jeroboão. Em 1 Reis 12:28-30, lemos que Jeroboão, o primeiro rei de Israel, fez dois bezerros de ouro, em Dan e Betel, para que Israel adorasse sem precisar descer até Jerusalém. “E isso se tornou em pecado, pois o povo para adorar o bezerro”. Os verbos “fazer” e “adorar” indicam a quebra do mandamento duplo, o segundo, que por sua vez transgride também o primeiro.

No 2 livro dos Reis 17:16, os bezerros de ouro de Jeroboão e o culto de Baal são dados como motivo da queda de Israel no cativeiro assírio.

O bezerro era a representação do boi Ápis, deus egípcio, símbolo de virilidade e fecundidade, e que era cultuado num ritual de música e dança, que no episódio de Êxodo 32 se degenerou em orgia. O culto ao boi Ápis é uma celebração à virilidade e fecundidade, tomadas como um tipo de deus.

O profeta faz um apelo aos filhos de Judá: “Cada um lance de si as abominações de que se agradam os seus olhos, e não vos contamineis com os ídolos do Egito. … Mas ninguém lançava de si as abominações de que se agradavam seus olhos nem abandonavam os ídolos do Egito” (Ez 20:7-8). Os judeus foram teimosos em agarrar-se aos ídolos. Assim, “as abominações que levaram do Egito não as deixou” (Ez 23:8).

O que aprendemos dessas histórias é que o coração humano é por natureza inclinado aos ídolos. A idolatria parece oferecer uma segurança e uma satisfação que não dependem da fé nem de uma vida espiritual. Mas agarrar-se aos ídolos, sejam de que natureza for, é o caminho para a degradação e queda.


(3) Os bens em lugar de Deus

A questão do apego à idolatria é exemplificada no episódio da família de Jacó ao deixar a terra de Labão. Quando ele e sua numerosa família deixaram Padã-Arã, Raquel aproveitou-se da ausência do pai em casa e “furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai” (Gn 31:19).

O interesse dela não era exatamente ter os deuses, mas no que esses deuses representavam. Esses “ídolos do lar” (heb. terafim, “ídolos, imagens, deuses”) eram um tipo de “título de propriedade” dos bens da família. Considerando o futuro, Raquel queria assegurar a herança dos bens da família para si e para Jacó. Isso justifica por que Labão queria tanto recuperá-los (v. 22-30). Os “ídolos do lar” eram um tipo de escritura dos bens da família. Por isso, eram adorados como deuses.

Esse relato bíblico indica que os bens materiais já eram um tipo de deus no mundo antigo. Eles materializavam e incorporavam as posses. Por isso, pensando que Jacó ou as filhas os haviam roubado e escondido, Labão fez o pacto de que além de “Galeede”, onde já não era mais sua propriedade, Jacó nunca mais voltaria a pisar o pé (Gn 31:51-52). Assim ele garantiu a posse dos bens, mesmo sem ter os tais terafim.

Que esses ídolos não eram só escrituras, mas deuses, de fato, está claro na fala de Jacó à sua família antes de subir a Betel, a casa de Deus (Gn 35:1). Ele ordenou: “Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso meio, purificai-vos e mudai as vossas vestes; levantemo-nos e subamos a Betel. Farei ali um altar ao Deus que me respondeu no dia da minha angústia e me acompanhou no caminho por onde andei. Então, deram a Jacó todos os deuses estrangeiros que tinham em mãos e as argolas que lhes pendiam das orelhas; e Jacó os escondeu debaixo do carvalho que está junto a Siquém” (Gn 35:2-4).

As “argolas” eram também um tipo de amuleto, utensílios associados a deuses e superstições. É de se notar que Jacó tenha relacionado a presença dos serafins com a impureza. Ele mandou lançar fora os deuses e purificar-se. Aqueles que mantinham esses deuses acariciados, e neles confiavam, como garantia da proteção das riquezas, estavam inabilitados para adorar a Deus. Para servir a Deus deviam primeiro lançar fora os deuses de prata e ouro e purificar-se.

A prática de entregar a Deus dízimos e ofertas, de bens materiais, deve nos lembrar sempre de que para servir a Deus devemos primeiro nos despojar dos bens que muitas vezes cultivamos como ídolos e em lugar de Deus.

Aprendemos deste relato da experiência da família de Jacó que os bens podem se tornar sim numa espécie de Deus. Manter uma relação de confiança e dependência com os mesmos é colocá-los em lugar de Deus. Para servir a Deus, é necessário primeiro nos desvencilhar de todo tipo de deus em quem temos colocado nossa confiança e afeição, sejam bens, carros, eletrônicos, etc.

(4) Nabucodonosor e a idolatria

O relato de Daniel acerca da experiência de Nabucodonosor em relação a seus bens e seus feitos nos mostra que a idolatria não é somente uma questão de adoração a falsos deuses. O episódio narrado em Daniel nos mostra que o amor aos bens e orgulho das riquezas de fato desumaniza as pessoas e é idolatria da pior espécie. Esse rei pagão teve um relacionamento muito próximo com Daniel. Desde jovem, o profeta inteligente em interpretar sonhos e visões despertou a admiração do monarca (Dn 2).

Nabucodonosor de fato conheceu o Deus do céu através de Daniel. Em Daniel 4:2-3, o rei babilônico chega mesmo a celebrar o Deus de Israel: “Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo.

Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas, as suas maravilhas!” Seu coração aqui estava totalmente humanizado e cheio da graça de Deus. Ele reconheceu nesse contexto que suas riquezas e seu reino eram dádivas divinas. Entretanto, certo dia, “tranquilo em sua casa e feliz no seu palácio” (Dn 4:4), ele teve um sonho terrível. No sonho, o rei via uma frondosa árvore, simbolizando a Babilônia, mas que
tinha uma ordem de corte e destruição dada por Deus.

A ordem do céu era radical: “Mude-se-lhe o coração, para que não seja mais coração de homem, e lhe seja dado coração de animal; e passem sobre ele sete tempos” (v. 16). A palavra para “animal” é a mesma para “besta”, indicando que o rei, sem o temor de Deus, se tornara na própria besta, capaz de perseguir os servos de Deus. O rei e a Babilônia são mostrados na figura da besta tipo um “leão” em Daniel 7.

Nabucodonosor, apesar de ter conhecido o Deus de Israel, não aprendeu a honrar a Deus acima de seu poder e de suas riquezas. Pelo contrário, permaneceu apegado a essas coisas colocadas em lugar de Deus.

Então, o verso 30 relata o motivo de sua queda: “Falou o rei e disse: Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?”

Nabucodonosor via a Babilônia como uma extensão de si mesmo. De fato, a imagem que ele fez para ser adorada, quebrando o segundo mandamento, era uma representação de si mesmo como um deus.

No momento em que ele glorificava seu poder, uma voz do céu decretou seu banimento do palácio para junto das bestas, onde permaneceu por sete anos, até que reconheceu a grandeza de Deus outra vez. “Agora, pois, eu, Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos que andam na soberba” (Dn 4:37).

A narrativa de Nabucodonosor nos adverte do perigo de transformar nossas riquezas e nós mesmos em um tipo de deus, ao ponto de honrarmos essas coisas com a dedicação de nossa vida e de nossas melhores energias. Essa realidade humana, de apego e glorificação das coisas materiais, leva os seres humanos à condição de bestas irracionais. Somente aqueles que reconhecem o Deus criador como único Deus e Senhor tem o coração humanizado e podem refletir a imagem divina.

(5) Jesus e a idolatria das riquezas

Jesus falou muitas vezes sobre o perigo das riquezas se tornarem um deus para as pessoas. As pessoas podem amar, venerar e desejar tanto essas coisas que são capazes de dar a vida por elas. As riquezas aqui devem ser vistas como todo bem material capaz de dominar nossa afeição, sejam casas, bens, automóveis, empresas, roupas, eletrônicos, calçados e joias.

A fala de Jesus nesse assunto deixa claro que os bens são um senhor de fato na vida de muitas pessoas.
Em Lucas 16:13, o Senhor falou diretamente sobre o serviço às riquezas. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.”

Neste texto, Jesus usou a palavra mamoná, traduzida por “riquezas”. É transliteração para o grego da palavra aramaica mamon, que quer dizer “dinheiro” ou “riqueza”, sendo assim traduzida na maioria das bíblias.

Ao advertir acerca da impossibilidade de se servir a dois senhores, Jesus colocou sua fala em direta relação com os dois primeiros mandamentos do decálogo. Desta forma, ele afirma que as riquezas se colocam de fato como um tipo de deus, em lugar do Senhor. Ao personificar o dinheiro como Mamóm, Jesus indica que ele assume a posição de senhor na vida dos seres humanos.

Evidentemente, ele está falando dos bens, das coisas, daquilo que desperta nosso afeto e a dedicação de nossa atenção total.

Mais à frente, ainda em Lucas, o Senhor volta a falar desse tema. Sua advertência é de que “a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12:15).

A vida deve consistir em algo que não pode ser tirado de nós, como a fé, a esperança e o amor. Então, Jesus propôs uma parábola acerca de um empresário que fez grandes investimentos e teve grande êxito. Esse homem ganhou muito dinheiro e seus bens se multiplicaram. O mestre retrata a insensatez desse sujeito quando afirma: “Eu tenho em ações muitos bens, para viver em luxo muitos anos. Agora, vou descansar, beber e comer, e regalar-me!”

O Senhor encerra a parábola com um juízo: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12:13-20). O tema da idolatria estrutura toda essa parábola, no sentido de que os bens tomaram o lugar de Deus na vida desse homem. É neles que ele tem sua fé e sua confiança. É aos bens que ele dedica sua vida e sua afeição. É dos bens materiais que ele depende quando se trata
de vida e felicidade.

CONCLUSÃO

Ao longo das Escrituras encontramos relatos de quão fácil é construir deuses falsos para nós mesmos. De fato, tudo aquilo em que depositamos nossa confiança e de que passamos a depender se torna em um ídolo.

A idolatria seja a imagens religiosas, seja a bens, utilitários, imóveis, é uma quebra dos dois primeiros mandamentos. As coisas materiais podem facilmente ocupar no coração o lugar de Deus, ou são transformadas em verdadeiras “imagens” às quais dedicamos adoração e veneração.

Quantos jovens já perderam a vida por tentar salvar o celular na hora de um assalto? Eles se agarraram àquilo que parecia garantir a felicidade deles: um deus fabricado. Quantos homens e mulheres foram feridos, baleados e mortos porque não queriam entregar as chaves do carro de luxo aos assaltantes? Eles não conseguiam encarar a vida sem esse bem, colocado em lugar de Deus.

Quantas noites sem dormir, mortificando o corpo, ao seguir madrugadas de tensão por compromissos e prestações para manter automóveis e bens nos quais decidimos colocar nossa felicidade? Essas coisas saíram da categoria de bens para a categoria de deuses, os quais exigem grandes sacrifícios.

Quantos recursos e vitalidade gastamos para adquirir coisas?

Todas essas coisas são ídolos, a cujos pés nos dobramos, como se fossem deuses capazes de garantir nossa felicidade.

Corte no seu coração as barras de ferro que te prendem a essas coisas. Se preciso dedique-as inteiramente a Deus. Livre-se delas!

Mantenha seu coração inteiramente para Deus!

Não tenha nada que pareça um deus entre você e Cristo!

Que Deus te abençoe!

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