Resumo: De todos os reinados de Judá, nenhum outro foi tão maldoso, tão opressivo, tão perverso, tão tirânico, tão déspota, tão arbitrário, tão devasso, tão violento, tão horrendo, quanto o reinado de Manassés. Faltam adjetivos e espaço para retratar a maldade desse rei! Ele fez o povo errar diante do Santo e Justo Deus e fez pior do que as nações que o SENHOR tinha destruído de diante dos filhos de Israel (II Rs 21:9). Por cinco décadas, agiu com extrema crueldade: Manassés matou tantas pessoas inocentes, que as ruas de Jerusalém ficaram alagadas de sangue (II Rs 21:16 – NTLH).
E até fez passar a seu filho pelo fogo, e adivinhava pelas nuvens, e era agoureiro, e instituiu adivinhos e feiticeiros, e prosseguiu em fazer mal aos olhos do SENHOR, para o provocar à ira. (II Rs 21:6)
Um dos mortos foi Isaías, que é chamado de “o príncipe dos profetas do Antigo Testamento” [1]. Seu sofrimento sob o reinado de Manassés pode ter contribuído para a produção do texto sobre o “Servo Sofredor” (Is 52:13-15,53), pois ele próprio teve sorte semelhante. Mas onde aumentou o pecado, transbordou a graça (Rm 5:20b – NVI). Manassés se arrependeu da sua perversidade, sinceramente: Deus se tornou favorável para com ele (II Cr 33:19). Diante disso, ele foi perdoado e libertado por Deus do seu cativeiro físico e espiritual! A sua história mostra-nos não somente a grandeza da perversidade humana, mas também a grandeza da misericórdia divina.
I – A HISTÓRIA CONTADA
Após o piedoso reinado de Ezequias, veio o perverso reinado de Manassés, que subiu ao trono de Judá em 696, a.C. O seu reinado não começou da mesma maneira que o reinado do seu pai, com reforma espiritual autêntica: … fez ele o que era mau perante o SENHOR, segundo as abominações dos gentios que o SENHOR expulsara de suas possessões, de diante dos filhos de Israel (II Rs 21:2). O seu reinado foi um período marcado por profundo retrocesso espiritual. Ele se empenhou ativamente na restauração do paganismo: Pois tornou a edificar os altos que Ezequias, seu pai, havia destruído, e levantou altares a Baal, e fez um poste-ídolo como o que fizera Acabe, rei de Israel, e se prostrou diante de todo o exército dos céus, e o serviu. Apostasia e idolatria retornaram, logo depois do reavivamento! O que uma geração tenta destruir, a geração seguinte pode trazer de volta, a despeito de quão repreensível tal prática possa ser. Muito freqüentemente, este tem sido o padrão de comportamento da ração humana.
O templo, que havia se erguido para ser o lugar em que o nome de Deus seria para sempre honrado e adorado, foi perversamente desrespeitado por Manassés. Ele chegou ao cúmulo de construir, nos pátios da casa de Deus, altares para a adoração das estrelas. Estudiosos do Antigo Testamento comentam que a prática de adoração dos astros era bastante popular no antigo Oriente Próximo. Nessa região, as estrelas eram vistas como intermediárias entre os deuses e os homens e capazes de controlar os eventos na terra. Os reis assírios eram, muitas vezes, retratados usando símbolos dos planetas, intimamente associados a certas divindades.
Outra prática macabra de Manassés foi esta: … queimou a seu filho como sacrifício (II Rs 21:6a). Quando os Israel chegou a Canaã, deparou-se com diversos deuses que eram cultuados pelos povos da terra. Essas divindades são reconhecidas na Bíblia como demônios (Lv 17:7). Dentre tantos demônios, Moloque (no hebraico, Molek), uma das divindades favoritas dos amonitas e dos cananeus, adorada com sacrifícios humanos – as crianças recém nascidas eram oferecidas em sacrifício pelos próprios pais. O local principal de adoração de Moloque era o vale do filho de Hinom II Rs 23:10; II Cr 28:3; Jr 7:31, 32:35), logo ao sul de Jerusalém.
A imagem de Moloque era de bronze e oca. Acendia-se o fogo dentro do ídolo. Quando as suas mãos ficavam bem quentes, o sacerdote de Moloque pegava o neném dos braços do pai e punha-o nas mãos de Moloque, ao som do tambor, para evitar que os pais ouvissem o grito e o choro de seu filhinho agonizante [2]. Deus proibiu com veemência o sacríficio a Moloque (Lv 18:21), sendo que quem insistisse nessa prática profana seria eliminado da congregação de Israel (Lv 20:2). Manassés conhecia as proibições de Levítico, pois este livro – que ensina normas para a vida e o culto da nação do Deus Santo – foi escrito por Moisés, antes da sua morte, em Moabe, no ano 1.440 a.C.
Antes de prosseguir, um esclarecimento é necessário: Embora a palavra hebraica “Moloque”, sonoramente, assemelhe-se à nossa palavra portuguesa “moleque”, não há, como supõem alguns (supersticiosamente), relação alguma. A palavra portuguesa “moleque” (feminino moleca) vem do quimbundo “muleke”, que significa menino ou rapazote. Antigamente, era usada apenas em referência à criança de pele negra. Nos tempos da escravidão, chamar uma criança de pele branca por “moleque” era uma grande afronta e ofensa, uma vez que essa palavra aplicava-se sempre ao filho ou à filha do escravo. Atualmente, além de indicar qualquer garoto ou garota travessa (de pele branca ou negra), é utilizada também para se referir a uma pessoa sem palavra ou sem vergonha.
Manassés praticou feitiçaria e adivinhação e recorreu a médiuns e a quem consultava espíritos (II Rs 21:6b – NVI). O que Deus disse sobre essas práticas à geração destinada a ocupar a terra de Canaã? Não deixem que no meio do povo haja adivinhos ou pessoas que tiram sortes; não tolerem feiticeiros, nem quem faz despachos, nem os que invocam os espíritos dos mortos (Dt 18:10b-11). Essa proibição divina é, também, citada em Levítico: Não procurem a ajuda dos que invocam os espíritos dos mortos e dos que adivinham o futuro. Isso é pecado e fará com que vocês fiquem impuros. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês (19:31). Tais proibições foram ignoradas por Manassés.
O sexto versículo continua: … prosseguiu em fazer o que era mau perante o SENHOR, para o provocar à ira (II Rs 21:6c). Em sua perversão espiritual, Manassés também pôs a imagem de escultura do poste-ídolo que tinha feito na casa do SENHOR Deus, que dissera a Davi e a Salomão, seu filho: Nesta casa e em Jerusalém, que escolhi de todas as tribos de Israel, porei o meu nome para sempre (II Rs 21:7).
A palavra poste-ídolo. Esta expressão foi traduzia da palavra hebraica (ashera), que pode “referir-se tanto a uma deusa cananéia como a um objeto de culto de madeira” [3]. A deusa Asera era esposa do deus El, cujo filho mais famoso era Baal.
O culto a essa deusa teve início no reinado da divisão, o de Roboão. Com o passar do tempo, porém, ele foi tão incentivado, popularizado e consolidado, nos reinos de Judá e Israel (I Rs 18:19), que nem mesmo reis piedosos e corajosos (I Rs 15:13; II Rs 18:4) conseguiram destruir por completo o “aserismo”. Ao por o posto-ídolo para ser honrado e adorado no Templo do Senhor, Manassés desobedeceu novamente ao mandamento divino, registrado por Moisés, no livro do Êxodo, 1445 anos antes: Abstém-te de fazer aliança com os moradores da terra para onde vais, para que te não sejam por cilada. Mas derribareis os seus altares, quebrareis as suas colunas e cortareis os seus postes-ídolos (Êx 34:12-13).
Desde o início, Deus dizia ao seu povo que a terra seria para sempre deles, se prestassem obediência incondicional à sua Palavra. Esta promessa é relembrada agora, por Deus: E, se o povo de Israel obedecer a todos os meus mandamentos e fizer tudo o que manda a Lei que o meu servo Moisés deu a eles, então eu não deixarei que sejam expulsos da terra que dei aos seus antepassados (II Rs 21:8). Deus prossegue, fazendo uma constatação gravíssima a respeito do reinado de Manassés: Mas o povo de Judá não obedeceu a Deus, e Manassés os levou a cometer pecados ainda piores do que aqueles cometidos pelas nações que o SENHOR Deus havia destruído conforme o seu povo ia avançando. (II Rs 21:9)
Os autores do Comentário Bíblico Atos declaram que “a política assíria desse período não interferia ou restringia a prática religiosa local, por isso, não há razão para supor que Manassés fosse obrigado a instituir essas práticas de Adoração” [4]. Se esta afirmação estiver historicamente correta, a situação de Manassés é ainda mais grave. Tudo que fez não foi por imposição externa, mas por decisão pessoal! Através dos seus profetas, Deus proclamara que o plantador de perversidade, colheria calamidade (II Rs 21:10-14). Por que Deus agira assim? Porque todos haviam feito o que era mal perante a sua presença, provocando-lhe grandemente a ira (II Rs 21:15-16).
O que Deus proferira ocorreu. O perverso Massassés foi destronado: Pelo que o SENHOR trouxe sobre eles os príncipes do exército do rei da Assíria, os quais prenderam Manassés (II Cr 36:11a). Ele tentou esconder-se no espinheiro, mas foi descoberto e aprisionado: … com ganchos, amarraram-no com cadeias e o levaram à Babilônia (II Cr 36:11b), que, na época, estava sujeita ao Império Assírio. Ele recebeu um tratamento humilhante e desgraçado: “violentamente puseram uma argola em seu nariz, como se fosse um animal selvagem” [5]. Lá, na Babilônia, aconteceu o inacreditável: o angustiado Manassés se arrependeu, fato este narrado nas Escrituras da seguinte maneira: … muito se humilhou perante o Deus de seus pais; fez-lhe oração, e Deus se tornou favorável para com ele, atendeu-lhe a súplica e o fez voltar para Jerusalém, ao seu reino; então, reconheceu Manassés que o SENHOR era Deus. (II Cr 33:12-13). Manassés demonstrou a sinceridade e a autenticidade do seu arrependimento, corrigindo antigos pecados (II Cr 33:14-16).
II – A HITÓRIA APLICADA
1. A história de Manassés nos mostra o perigo do sincretismo religioso.
Sincretismo é a reunião em um só sistema religioso, de doutrinas e práticas religiosas diferentes. Manassés era sincretista, pois incorporou à religião hebraica inúmeros elementos e práticas do paganismo. Adorava-se o Deus de Judá e os deuses pagãos. Ele fez coisas muito piores do que aquelas que os amorreus [nome usado para designar de modo geral os habitantes de Canaã (Gn 48:22 Js 24:15)] fizeram (II Rs 21:11). Os amorreus satisfaziam-se em prestar culto apenas aos deuses locais da nação. Não procuravam nem adoravam divindades estrangeiras. Manassés, entretanto, adotou os deuses assírios no culto de Judá. Imagens e altares dos deuses pagãos eram vistos em todos os locais, até mesmo nos pátios do templo do Senhor. Ele queimou os seus filhos em sacrifício no vale de Ben-Hinom, fazia adivinhações, praticava magia e feitiçarias e consultava adivinhos e médiuns (II Cr 33:6 – NTLH).
Existe um acentuado sincretismo na religiosidade brasileira. Uma pessoa se declara católica romana, mas acredita em doutrinas e utiliza práticas umbandistas e kardecistas. Quem não se lembra daquele padre da Bahia que adotou, em suas missas, roupas, danças e rituais da umbanda? As “sessões de descarrego” dos centros kardecistas viraram “cultos de descarrego”, nos templos evangélicos. A cor da roupa do pastor e a cor da roupa do médium são uma só: branca. Isso tem causado muita confusão espiritual nas pessoas. Deus, porém, é contrário ao sincretismo. Ao chamar Israel à terra prometida, chamou-o com uma ordem clara: a de não se misturar com os povos vizinhos (Êx 23:22; Dt 12:30, 18:8). Este princípio continua valendo para o povo da nova aliança, a Igreja. Ela não deve imitar nem copiar os procedimentos do paganismo.
2. A história de Manassés nos mostra o exemplo de arrependimento sincero.
Por não ter dado atenção à palavra divina, Manassés foi capturado, acorrentado e conduzido pelos assírios para a Babilônia (II Cr 33:10-11). Deus ajustou as contas com o perverso Manassés. No seu sofrido cativeiro, orou com fervor ao SENHOR, seu Deus; cheio de humildade, ele se arrependeu diante do Deus dos seus antepassados (II Cr 33:12 – NTLH). A seguir, vemos que Manassés produziu frutos dignos de arrependimento (Mt 3:8). Após destruir as imagens e os altares pagãos (II Cr 33:15), ele consertou o altar do SENHOR, ofereceu nele sacrifícios de paz e ofertas de gratidão e ordenou ao povo de Judá que adorasse o SENHOR, o Deus de Israel (II Cr 33:16 – NTLH). Houve também mudança na atitude do povo de Judá (II Cr 33:17).
A igreja do Senhor não somente tem tolerado, mas também têm praticado doutrinas estranhas às Sagradas Escrituras (Ap 2:14-15). Nela, há homens (Ap 2:14) e mulheres (Ap 2:20) que não somente ensinam, mas também seduzem pessoas a acreditarem e realizarem coisas ultrajantes e perversas. A palavra daquele que conhece como ninguém o que acontece de bom e de ruim em cada uma das igrejas espalhadas pelo planeta terra (Ap 2:2,9,13,19, 3:1,8,15) é de advertência e julgamento: Arrependam-se! Se não, eu logo irei até aí e, com a espada que sai da minha boca, lutarei contra essa gente (Ap 2:16 – NTLH). Se não houver arrependimento (Ap 2:21), haverá julgamento (Ap 2:21-23). Sobre isso, lemos: Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo (Hb 10:31). Portanto, quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas (Ap 2:7).
3. A história de Manassés nos mostra a grandeza da benevolência divina.
Um exemplo eloqüente e ilustrativo de que Deus perdoa o pecado trata-se da narrativa a respeito do rei Manassés, culpado de feitiçaria, massacres e crimes hediondos que incluíam, como lemos, até o sacrifício de seu próprio filho (II Rs 21:1-9,16). No entanto, ao constatar que Manassés se arrependeu com sinceridade: Deus ouviu a sua oração e atendeu o seu pedido, deixando que ele voltasse para Jerusalém e fosse rei de novo. Aí Manassés declarou que o SENHOR é Deus (II Cr 33:12, NTLH). O versículo dezenove afirma que Deus se tornou favorável para com ele (II Cr 33:19 – RA). A história de Manassés (II Cr 33:18,23) nos mostra que até o pior dos pecados pode ser perdoado por Deus, que é benevolente e misericordioso (Sl 78.38, 103:10).
A mensagem bíblica é clara: Há perdão para qualquer pecado. A única exceção é a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mc 3:29). Mas o perdão gracioso de Deus nunca é automático. A Bíblia também não ensina que o perdão será distribuído “por atacado” a todas as pessoas, independentemente de quererem ou não ser perdoadas. O perdão é para aqueles que se reconhecem pecadores. Por mais desagradável que seja aos ouvidos modernos, não há promessa de perdão para os obstinados, para os arrogantes, para aqueles que se recusam a admitir seus erros (Lc 18:11-14, 15:17-21). A convicção do pecado cometido e o arrependimento antecedem, obrigatoriamente, o perdão (Sl 51.3-5; I Jo 1:8-9). Confessemos, pois, os nossos pecados a Deus, que é perdoador, clemente e misericordioso, tardio em irar-te e grande em bondade (Ne 9:17).
CONCLUSÃO
A história de Manassés nos mostra que Deus não é somente o “Deus do Juízo”, mas também o “Deus do Perdão”. Sendo o “Deus do Juízo”, ele trata o seu povo com juízo, quando este não ouve ou ignora a sua Palavra e a sua vontade. Foi o Senhor quem trouxe os príncipes do exército do rei da Assíria (II Cr 33:1), para punir o monarca e julgar as pessoas do reino de Judá. De fato, há um Deus, com efeito, que julga na terra (Sl 58:11b). Ele julga os povos com eqüidade (Sl 96:10), porque é um juiz justo (Sl 7:11a – RC). O povo de Deus, que vive neste mundo cheio de pessoas perversas e devassas, deve lembrar-se disso: O Juiz está perto, pronto para vir (Tg 5:9b – NTLH). Assim sendo, ele não deve viver a vida louca e imoral desses pagãos, que vão ter de prestar contas a Deus, que está pronto para julgar os vivos e os mortos (I Pd 4:5 – NTLH).
A Bíblia ensina que o povo de Deus não deve imitar nem copiar o modo de vida pagão: No passado vocês já gastaram bastante tempo fazendo o que os pagãos gostam de fazer. Naquele tempo vocês viviam na imoralidade, nos desejos carnais, nas bebedeiras, nas orgias, na embriaguez e na nojenta adoração de ídolos (I Pe 4:13 – NTLH). Mas, se o povo de Deus fizer o que os pagãos fazem, deve lembrar-se do Deus do Perdão, que fez a seguinte promessa: … se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados (II Cr 7:14).
Há esperança para o perverso que se arrepende da perversão. Se o perverso se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e fizer o que é reto e justo, certamente, viverá (Ez 18:21), afirma o Senhor Deus! Amém!
Referencias Bibliográficas:
[1] ELLISSEN, S.A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 1991, p. 214
[2] HARRIS. L. R. (Editor). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, PP.844-845
[3] Idem, PP. 136-137.
[4] WALTON, John ET alii. Comentário Bíblico Atos: Antigo Testamento. Belo Horizonte: Editor Atos, 2003, p.489.
[5] CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado. São Paulo: Candeia, 2000, Vol. 3, p.1714.
Fonte:
Estudo bíblico de autoria do Pastor Genilson Soares da Silva
Série de estudos sobre o mais interessante período da história dos israelitas: o período da monarquia israelita